
João Telles Corrêa Filho engenheiro e consultor empresarial
2014 foi um ano muito difícil e tudo indica que 2015 não será mais fácil. Mas afinal, o que houve com o Brasil, país até poucos anos considerado como o mais promissor dentre os emergentes? Várias razões podem ser mencionadas, algumas de cunho político, outras de origem econômica e algumas de ordem cultural – enumerar todas e analisar cada uma é tarefa para vários livros e para pessoas muito mais competentes do que eu em todos estes assuntos. Por essa razão vou me limitar aos três pontos que julgo mais importantes para quem deseja entender o país e nele investir com sucesso.
O primeiro deles diz respeito à questão cambial. Nossa moeda está supervalorizada há pelo menos 20 anos, ou seja, desde sua criação em julho de 1994 com o Plano Real: ela foi lançada valendo 1 dólar norte americano (valor considerado alto por muitos economistas) e, desde então, o câmbio vem sendo sistematicamente empregado como âncora para conter a inflação. Esta política gerou uma defasagem que pode ser calculada conforme a tabela abaixo:
Mês/ano | Cotação | IPCA 12 meses | Inflação EUA 12 meses | IPCA – Inflação EUA | Cotação necessária | Defasagem |
jul/94 | 1,00 | |||||
jul/95 | 0,92 | 27,45126% | 3,54000% | 23,91126% | 1,24 | -34,7% |
jul/96 | 1,01 | 14,83717% | 3,32200% | 11,51517% | 1,38 | -37,5% |
jul/97 | 1,08 | 6,07862% | 1,70200% | 4,37662% | 1,44 | -33,9% |
jul/98 | 1,16 | 3,05875% | 1,61200% | 1,44675% | 1,46 | -26,4% |
jul/99 | 1,77 | 4,56705% | 2,20000% | 2,36705% | 1,50 | 15,4% |
jul/00 | 1,81 | 7,05628% | 3,40000% | 3,65628% | 1,55 | 14,1% |
jul/01 | 2,32 | 7,41818% | 2,80000% | 4,61818% | 1,62 | 30,1% |
jul/02 | 2,91 | 7,51287% | 1,60000% | 5,91287% | 1,72 | 41,0% |
jul/03 | 2,82 | 15,42939% | 2,30000% | 13,12939% | 1,95 | 31,0% |
jul/04 | 3,05 | 6,81159% | 2,50000% | 4,31159% | 2,03 | 33,4% |
jul/05 | 2,35 | 6,56611% | 3,41600% | 3,15011% | 2,09 | 10,7% |
jul/06 | 2,17 | 3,96678% | 2,54100% | 1,42578% | 2,12 | 2,1% |
jul/07 | 1,92 | 3,74191% | 4,08100% | -0,33909% | 2,12 | -10,4% |
jul/08 | 1,60 | 6,36678% | 0,91000% | 5,45678% | 2,23 | -39,6% |
jul/09 | 1,95 | 4,49947% | 2,72100% | 1,77847% | 2,27 | -16,7% |
jul/10 | 1,78 | 4,60067% | 1,49600% | 3,10467% | 2,34 | -31,8% |
jul/11 | 1,56 | 6,87265% | 2,96200% | 3,91065% | 2,43 | -56,1% |
jul/12 | 1,99 | 5,19859% | 1,74100% | 3,45759% | 2,52 | -26,6% |
jul/13 | 2,24 | 6,27056% | 1,50200% | 4,76856% | 2,64 | -17,7% |
jul/14 | 2,21 | 6,50231% | 0,75600% | 5,74631% | 2,79 | -26,1% |
A última linha demonstra uma defasagem de 26,1% (sobrevalorização do Real), suficiente para inviabilizar diversos setores da indústria, tais como têxtil, eletro-eletrônico e brinquedos, apenas para citar os mais evidentes. É grande o bastante também para promover um forte déficit nas contas externas, sendo as contas turismo e comercial as mais importantes. Nos três últimos meses o mercado vem promovendo um ajuste a partir da volta dos títulos da dívida americana ao topo da preferência dos investidores e, também importante, da aparente mudança de comportamento do Banco Central que parece ter desistido de lutar contra forças que não pode vencer (o que seria muito saudável para o Brasil e suas reservas). As consequências deste movimento são óbvias: crescimento da inflação, sensação de empobrecimento da classe média e necessidade de revisão das estratégias de diversos setores da indústria e do comércio. Em se confirmando, a tendência de correção cambial é uma excepcional oportunidade de recuperação da competitividade brasileira que não pode ser desperdiçada pelas empresas.
O segundo fator que será determinante em 2015 é a questão política. O governo federal, apesar de sair vitorioso na eleição passada, está obviamente acuado pela tempestade que se abateu sobre a Petrobrás e pelo descomunal abismo entre o que foi dito e prometido pela candidata à reeleição as ações realizadas imediatamente após o anúncio da vitória. A população e os políticos que sustentam o governo sentiram-se traídos e usados (como de fato foram) e reagiram além das piores expectativas do governo – a popularidade de Dilma Rousseff caiu pela metade, a base aliada na Câmara dos Deputados se rebelou e impôs seguidas derrotas ao executivo, derrotas estas que poderão custar muito caro aos planos do Ministro Levy e, consequentemente, à tão necessária recuperação da economia; as expectativas do mercado vêm se deteriorando semanalmente, conforme comprovado pelas pesquisas Focus, que já anteveem contração do PIB (pesquisa de 18 de fevereiro) e expansão da inflação. São más notícias que exigem maior determinação das empresas na busca do crescimento da produtividade e da redução dos custos, abrindo oportunidades para aqueles que sabem como fazer isso.
Por último, resta a necessidade de termos uma visão estratégica mais clara e pragmática de nossa política externa. Deixando as motivações ideológicas de lado, é necessário reconhecer que a outrora elogiada diplomacia brasileira já não produz os resultados que esperamos e pelos quais pagamos. O Brasil vem perdendo oportunidades e espaço na economia mundial já há dez anos, privilegiando relações com países que não contribuem com nosso desenvolvimento (o caso mais evidente é o Mercosul) e desprezando o intercâmbio com as nações e blocos comerciais mais ricos (EUA, União Europeia), o que resultou em perda de participação no comércio global, em dependência crescente frente à China e, muito mais grave, numa regressão econômica que nos faz sermos cada vez mais parecidos com o país agrícola do início do século passado.
São, portanto, três fatores que ameaçam o progresso do Brasil e de seu povo. Entretanto, são também oportunidades a serem exploradas por empresas, pessoas e governantes. Algumas de nossas vantagens comparativas irão permanecer por alguns anos (recursos naturais abundantes, grande mercado consumidor interno e competitividade do agronegócio) e deverão ser usadas como alavancas para a recuperação, sendo necessário olharmos em volta para ver como será o mundo no futuro – busca por energia limpa (temos vento, sol e água) e produtos não poluentes (podemos fabricá-los sem muita dificuldade), reconfiguração das sociedades sob a forma de redes de conhecimento (aqui o grande desafio: produzir e distribuir educação de qualidade superior).
* João Telles Corrêa Filho é engenheiro e consultor empresarial.