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Pepé Jardim
By Lucia Helena de Camargo
Jornalista
O palhaço brasileiro Pepé Jardim salta pelo palco equilibrando blocos, que parecem flutuar no ar, e são remontados quando o artista os apanha de volta. Em um momento, quase os deixa cair. Falta de destreza? Não. É apenas um truque para criar suspense: a possibilidade de tudo dar errado mantém atenta a audiência. O silêncio é quebrado pela sequência seguinte, de pura palhaçada, levando o público ao riso.
O número de Pepé integra a rede de entretenimento do luxuoso parque temático Ferrari World, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.
Parque temático Ferrari Word Abu Dabhi
Desde julho de 2016, duas vezes por dia o artista se apresenta ali durante 15 a 20 minutos. A plateia é formada majoritariamente por árabes, chineses e americanos endinheirados, frequentadores do gigantesco empreendimento que celebra o emblemático carro italiano. Entre um passeio na montanha russa e um teste de direção, fazem uma pausa para ver os shows. “O público que acaba assistindo às minhas apresentações não é típico de circo ou teatro. São fãs da Ferrari que caem de paraquedas na plateia. Às vezes nunca foram ao circo ou viram um palhaço na vida. Daí a dificuldade de criar um ambiente propício para a palhaçaria. Tudo isso somado ao déficit de atenção e às centenas de atividades que ocorrem no parque ao mesmo tempo, acabam formando um grande desafio artístico”, conta. O pocket show de Pepé inclui interações, manipulação com caixas e o chamado “número do maestro”. Ele também às vezes perambula pelo parque “em busca de situações aleatórias.”
Ao apontar as peculiaridades de uma apresentação na face oriental do planeta, sob o prisma de quem está no palco, Pepé cita a bagagem cultural de cada espectador como possível entrave. Como agradar igualmente um público formado por gente de diversas nacionalidades? “A impressão do artista in loco é muito subjetiva. Em muitos momentos eu saio decepcionado e as pessoas, por outro lado, podem estar extasiadas. É um parâmetro custoso”, analisa.
A equipe precisa tomar cautela redobrada em relação à abordagem do material que leva à cena, para não causar choques culturais. São banidos temas relacionados a álcool ou drogas, homossexualidade e terrorismo, por exemplo. “Aqui nos Emirados evitamos tocar em temas polêmicos em cena, mas isso acaba acontecendo às vezes de maneira meio blasé; gestos ou posturas que seriam totalmente aceitáveis no Brasil aqui são vistas de outra maneira”, comenta. Entre os gestos pouco apreciados estão a figa (com os dedos) e a ‘banana’ com o braço. “Para você ter ideia, mostrar o dedo médio para alguém pode dar um dia de prisão. Óbvio que não fazemos isso em cena no Brasil, mas enfim, tem que ter cuidado com quem se brinca”, afirma Pepé.
Pepé Jardim
No entanto, até as limitações impostas pelo fato de atuar em país árabe acabam contribuindo para desenvolver a criatividade. “Com o tempo você acha uma maneira de interagir e se aproximar do público. A lição talvez seja que, mesmo com tanta multiplicidade e alienação, as pessoas continuam a ser pessoas, no fim das contas, em qualquer lugar”, pondera o artista.
O idioma, pelo menos, não é problema, já que seus números incluem mímica, malabarismos e expressões faciais. Mas nenhuma palavra.
Além da experiência internacional, o trabalho no exterior rende ganhos até três vezes maiores do que a remuneração obtida no Brasil, há isenção de impostos e os gastos são mínimos. “Aproveitamos os benefícios de trabalhar para uma grande corporação”. Ele não esconde, porém, que sente falta de casa. “Não são poucos os momentos que tenho saudades do nosso bom e velho ocidente.”
A maioria dos profissionais e do aparato técnico envolvidos na montagem dos espetáculos são originários dos Estados Unidos. “Os EUA ditam como a banda toca. É deles a frase ‘There’s no business like show business’ [Não há negócio como o entretenimento, em tradução livre]. Não tem comparação na qualidade de produção, pessoal, tradição e público. O norte-americano sabe consumir entretenimento, e quer consumir. Os Emirados Árabes ainda estão aprendendo. Já possuem grandes produções no quintal de casa”, narra o artista.
Pepé Jardim
Peterson Jardim, hoje com 31 anos, nasceu na capital paulista em 1986 em uma data que se tornaria emblemática: 11 de setembro. Aos dois anos de idade, estreou no picadeiro do Circo Spacial, de propriedade da família, ao lado do pai, o locutor Claudio Jardim. Nunca mais deixou o circo. Aprendeu técnicas e estudou, entre outros, com o palhaço Picolé. Aos 16 anos começaria a carreira no exterior, com apresentações na Arábia Saudita. Depois foi contratado pelo Circo Russo nos Estados Unidos e integrou companhias americanas, entre elas o Cirque Dreams, pela qual participou de temporadas no Havaí e no México. Mas sempre volta ao Brasil. Em 2013, montou o espetáculo teatral “Quanto Mais Bagunçado, Melhor”, que ficou três meses em cartaz na capital paulista.
O artista foge de entrevistas. Às vezes, literalmente. Marlene Querubin, mãe de Pepé e atual comandante do Circo Spacial, conta que quando era adolescente ele chegava a escapar pela janela do trailer para evitar conceder declarações a jornalistas. Para esta matéria, fizemos contato via rede social, embora ele tenha deixado claro que não gosta de falar sobre si mesmo. A melhor forma de assistir ao espetáculo do artista é ir até Abu Dhabi. Ou esperar por sua apresentação no First Cirque International Festival of Brazil Contest (1º Concurso no Festival Internacional de Circo no Brasil) , que acontecerá em São Paulo em março de 2018.